FRANCO BATTIATO: popular e experimental, na busca do transcendente

César Morán: Cantautor, compositor e escritor

Na siciliana Milo, na aba do Etna, foi despedido Franco Battiato polos seus vizinhos e amigos. Uma despedida privada onde nascera há 76 anos. Ainda que budista, seguia a manter relação com o catolicismo da sua infância e restaurara a capela da casa familiar. Mente aberta e poliédrica, nunca limitada.

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A gente pode gostar ou não da sua música. O que não pode é ser indiferente ante ela nem ante o personagem, mediático sem dúvida, que se foi fazendo a si mesmo ao longo de cinco décadas. Um dia qualquer dos primeiros oitenta apareceu-nos na tele um homem alto e magro, expressão incissiva no rosto, imagem difícil e um tanto estranha, elegância porém não discutida, abalando no ritmo em invulgares maneiras e lançando umas mensagens poéticas que eram novidade, entre o social e o intimista, entre o coloquial e o discurso filosófico, e todo transmitido numa música ecléctica, um pop electrónico que convidava a ouvir, mas também a dançar: “Voglio vederti danzare / Come le zingare del deserto / Con candelabri in testa / O come le balinesi nei giorni di festa…” E isso vai por toda a sala mentres dançamos / e vai por toda a sala mentres tu danças… O ambiente cosmopólita dos seus textos bebe no orientalismo, nos árabes do deserto e nos conflitos européus do momento: “Na Irlanda do Norte / Nos salões de dança de verão / Parelhas de velhos a dançar…”, E gira tutto intorno alla stanza mentre si danza…

A chegada de Battiato foi para muitos um impacto. Desde o meu olhar era algo novo, um cantautor decerto, mas enlinhado nuns sintetizadores a produzirem um techno-pop que se materializava numa “mise en scène” particular e novidosa. Na realidade, Battiato é um intelectual, um ser enormemente culto que se expressa como artista não só através da música, senão também da pintura, do cinema e, claro é, na estela da poesia e do pensamento. Para Martín Llade a grandeza de Battiato está em saber dar uma visão cosmogónica e particularmente metafísica da existência através de uma mistura de formas e de fontes. Trás os inícios nos 70 na música de vanguarda, inventa o seu pop particular com enorme sucesso, mas sem esquecer a sua formação clássica (Brahms, Wagner, Beethoven) que reelabora ao seu modo. Trabalha com versos de Shakespeare, compõe ópera e uma missa arcaica (1994) e em 2001 deriva a partir do Minor Swing de Stephane Grappelli e Django Reinhardt.

A gente lembra hoje o álbum La voce del padrone (1981), que insolitamente superou o milhão de cópias vendidas, e que incluía o exitoso Centro di gravità permanente. Mas é menos conhecido L’ombrello e la macchina da cucire (1995), onde por vez primeira colabora com o filósofo Manlio Sgalambro, que fazia letras para ele na sua própria estética. Para Jordi Barcia, Battiato foi homem do renascimento, um artista refinado e experimentador febril.

Adeus, artista! Ti proteggerò dalle paure delle ipocondrie, das perturbações que encontrares no teu caminho desde hoje. Torneremo ancora.

(Artigo publicado no número 451 de Sermos Galiza, o semanário dos sábados de Nós Diario, o 29-05-2021)



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