A opinión de César Morán: “Anacleto músico”

QUEM IMPULSA A ECONOMIA SUBTERRÂNEA?

César Morán: Cantautor, compositor e escritor

AVANTAR ACTIVIDADES

Anacleto é músico. Sempre o foi e continua, pois para ele a música é imprescindível, uma absoluta necessidade, e sem ela a vida seria outra cousa. Para além disso Anacleto estudou uma carreira e exerceu a docência no ensino público durante mais de trinta anos. Agora é um funcionário “reformado forçoso”, recebe uma pensão das “classes passivas” e nunca antes tivera tantas possibilidades para criar arte e desenvolver uma atividade artística nos palcos. Há dous anos que lhe foi reconhecido o actual estado, especificando que o recebimento da pensão se pode compatibilizar com o exercício de atividade por conta própria ou de terceiros, que dé lugar à sua inclusão em qualquer regime público da Segurança Social, e que mentres seja exercida atividade compatível o valor da pensão será equivalente a cinqüenta por cento do valor reconhecido na resolução.

Anacleto, com outros centos de músicos, faz parte de uma cooperativa que defende o funcionamento legal, justo e transparente da atividade musical, de jeito que todos os componentes de uma banda estejam dados de alta laboralmente o dia do concerto. Todo especialmente relevante num contexto onde a economia subterrânea alcança níveis imensuráveis.

Um dia de setembro Anacleto recebe uma notificação de “classes passivas” constatando que se encontrava em “alta” na “Seguridade Social” no “Regime de Artistas” numa data concreta do mês de agosto, desde 14/08/2021 a 14/08/2021, polo que se resolve reduzir o recebimento da pensão ao 50 por cento na data indicada. Anacleto, que não gosta dessas cartas administrativas com faixa negra nem da sua linguagem, mostra-se preocupado, até que a gente mais próxima lhe diz que esteja tranquilo, que ele afoga num copo de água, e que a quantidade correspondente à metade de um só dia é pouco importante. Anacleto acouga e desiste de fazer qualquer recurso.

Mas no início de fevereiro o amigo Anacleto recebe outra carta com faixa negra, uma notificação de “trámite de audiência” como proposta de liquidação de reembolso por uma quantidade de mais de mil euros, exactamente a metade da sua pensão de “classes passivas”. Ou seja, por um único dia de alta na atividade artística retiram-lhe a metade da pensão de todo o mês. Aí a cousa começa a ser grave, polo que o nosso amigo acode ao sindicato, e a avogada do sindicato não está ao tanto do caso de funcionários reformados a realizarem atividades artísticas com alta e baixa no mesmo dia no contrato laboral, e Anacleto deve deduzir que se não o sabe é porque todo se segue a fazer “em negro”.

Anacleto vai a “classes passivas” e encontra um funcionário encantador que lamenta a injustiça e reconhece o absurdo, mas só pode ajudar a fazer um recurso com pouca esperança. O problema deveria resolver-se quando se conclua o “Estatuto do Artista”, mas entretanto é lógico pensar que a administração provoca ela mesma o funcionamento irregular no mundo do espectáculo. Difícil pensar outra cousa.


(Publicado no número 498 de Sermos Galiza, suplemento semanal de Nós Diario, sábado 23 de abril de 2022)


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