A opinión de César Morán: “A espera de Serrat”

UM GRANDE ARTISTA QUE VIVE DO QUE GOSTA

César Morán: Cantautor, compositor e escritor

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Estamos à espera. A última vez que o vimos no Coliseum agradecia a todos a presença, e ao cirurgião que o salvara apenas um mês antes. Sempre natural, comunicativo e próximo. Para muitos de nós é uma contínua referência. –Que quererias ser de maior? –Se nacesse de novo, quereria ser como Serrat. Difícil não idealizar, já que nada é perfeito, mas a sua trajetória é invejável: trinta e dous álbuns de estúdio, seis álbuns ao vivo e treze recopilatórios, sem contar os singles e os EPs dos inícios. Aqueles inícios nos anos sessenta da Nova Cançó, fazendo parte de Els Setze Jutges com Pi de la Serra, Guillermina Motta, Maria del Mar Bonet ou Lluís Llach, deram passo a uma fulgurante carreira individual como músico cantautor, onde nunca deixou de evoluir nem de ser fiel ao seu próprio critério. Ao talento poético e criativo une-se a capacidade para musicar poemas diversos com total mestria, desde Joan Salvat Papasseit a Mario Benedetti, de Alberti a León Felipe e a Miguel Hernández. Nos mais de cinquenta anos sobre os palcos, é um exemplo de bom fazer, em interação constante com o público de quem agora se está a despedir nesta gira intercontinental que ele mesmo concebeu como derradeira. E em tal interação, o agir profissional não lhe impediu deter o início de um concerto quando a imprensa dificultava a visão dos espectadores.

Humilde e natural, mostrou sempre uma forte personalidade, quer quando na Espanha franquista anunciou que queria cantar em catalão na Eurovisão –com o conseguinte veto na TVE e a sostida campanha na sua contra–, quer quando achou válido cantar em castelhano assumindo as críticas. Porém, este difícil passo não foi cousa light, pois primeiro com Alberti e sobretodo com Machado, Serrat arriscou ao reivindicar a obra de um dos poetas mais destacados da geração dos “perdedores” da guerra civil, faro do republicanismo. Mas na Espanha franquista o álbum situou-se no primeiro posto das listas de vendas e conseguiu reviver a poesia de Antonio Machado no Estado Espanhol e em toda Latinoamérica.

Seja como fôr, duas cousas admiro fondamente em Joan Manuel: a empatia poética com a realidade do contorno e a capacidade artística de evoluír como músico. O seu mundo poético reflete a intimidade dos velhos amantes e os debutantes, a alma das classes trabalhadoras que sentiu arredor, desde o drapaire do Poble Sec à intensíssima dor de Curro el Palmo, a crítica social e a amizade. Uma arte onde o social desborda a cobertura do político. Mas para além disso, a sua música progressa desde Brassens até o jazz, conseguindo o melhor espectáculo com músicos de primeira linha como Ricard Miralles, Jordi Clua, Francesc Rabassa ou Josep Mas “Kitflus”. O seu esmero nas harmonias e na mise en scène é tão difinitório como o sempiterno taburete de veludo. Émulo de Jacques Brel, achega os Beatles a Chico Buarque, pois tanto Eleanor Rigby como quem vai voar no Samba de Orly são personagens solitárias.


(Artigo publicado no suplemento semanal de Nós Diario, sábado 2 de julho de 2022)


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