César Morán: “Canet Rock 75”

O primeiro Canet Rock decorreu de 26 a 27 de julho de 1975 em Canet de Mar (Catalunya).

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César Morán: Cantautor, compositor e escritor

Entre as inovações contraculturais dos setenta, se as “15 horas Ciudad de Burgos 1975” foram o primeiro impacto –com menos público do esperado–, o “Canet Rock”, celebrado vinte dias mais tarde e com trinta ou quarenta mil persoas, foi a vivência real dos ventos europeus e americanos, antibelicistas, anticapitalistas, inspiradores do amor livre, portadores da cannabis, de ideias solidárias e sem medo a romper, e ainda no contexto da ditadura, que em apenas dous meses havia de consumar as cinco últimas execuções do franquismo. Aquele Canet Rock, subtitulado “12 hores de música i follia 1975”, era uma aposta pola liberdade, uma teima em respirar.

Saímos da Corunha no Shangai Express, que daquela fazia o trajeto a Barcelona em vinte e duas horas, um trem com assentos de skay azul onde acabavas conhecendo a gente. À chegada, passear diante da sala Zeleste e colher o trem para Canet, e já se vê o ambiente na pequena estação, gente em grupos com mochila que se vai espalhando. O mar sempre à direita das vias, e o sentimento de experimentar algo novo e atraente. Cada vez mais gente distendida… Essa noite, prévia ao festival, dormir na praia, e de manhã despertar com as gaivotas, o mar calmo e centos de moços e moças espidas pola areia, sem se preocupar de nada. O mais natural. Aquilo, sem dúvida, não era Espanha.

Lembro os rapazes de cabelo enormemente longo que nos conduziam ao recinto do festival, e lembro o estar do público sobre o chão, falando, bebendo, fumando ou em total repouso, nada parecido aos festivais de hoje. Esses modos tão bem organizados burlavam a espreita da Guardia Civil à beira dos valados, quando às oito da tarde abriu o concerto Barcelona Traction e o seu conceito de jazz, pois à diferença de Burgos aqui a tendência de jazz-rock tinha mais peso, como depois Jordi Sabatés, Fusioon ou a Orquestra Mirasol, com quem colaborou Maria del Mar Bonet usando a voz como instrumento de jeito improvisado.

Ao longo da noite foram os ousados arroutos de Pau Riba, o flamenco de Lole e Manuel, o Gualberto do sitar ou um Jaume Sisa proibido que se coava na megafonia entre a intensa homenagem do público em penumbra (Qualsevol nit pot sortir el sol). Um rock progressivo de onda catalá chegava com Ia & Batiste, e toda a força de Iceberg dava passo ao sol da manhã, pouco antes de no palco irromper o espectáculo da Companya Elèctrica Dharma e Els Comediants.

A Orquestra Plateria põe o ponto final, a gente espreguiça-se, uns dançam e outros recolhem e vão indo. Na estação de Canet falamos com Enric, que tem todos os discos de King Crimson: –Aqui sabemos que neste inverno não imos passar frio–, comenta.

A viagem de volta é tão longa como a de ida, mas o cansaço é maior. Difícil dormir no skay do vagão, o que não impede adormecer sobre uma monja assustada, na metade da noite, ou conhecer um rapaz de Osaka, Kazumasa Ito, que estuda “relações internacionais”. Nunca gosto de comparar, mas o de Canet foi o nosso Woodstock.

(Publicado no número 545 de Sermos Galiza, suplemento semanal de Nós Diario, o sábado 18-03-2023)



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