César Morán: A arte que nunca foi um “hobby”

II EDICIÓN COCHES CLÁSICOS NO IRIXO

XUNTANZA DE CLÁSICOS NO IRIXO

MÚSICA, POESIA E A FORÇA DO TRABALHO

Para quem escreve, a música nunca foi um “hobby”. Na verdade, ao começarmos a carreira da vida queria viver da música. Imagina quando eras músico (e um pouco poeta), e todo o empenho estava em criar e interpretar canções e temas musicais a tempo completo, sem que nada ocupasse um espaço superior no horizonte. Podes mesmo lembrar o sobrenome daquele grupo que formáramos a fins dos setenta: “Grupo profissional de música livre”. A ideia era essa, mas a vida vai marcando os passos e foi-te levando a ganhar o sustento na docência, sem que o lamentes, pois tinha também uma força magnética apaixonante, o que impediu que te sentisses frustrado pola rotura dos projetos iniciais, se bem a rotura nunca foi total nem irreversível. E é por isso que agora tentas fazer o que ficou interrupto ou incompleto, mas nunca para passar o tempo, nunca como um “hobby”, pois é preciso estar no mundo e trabalhar a sério, sem dar de balde a tua força de trabalho com as exceções do dia a dia.

Escrevo depois de ler o livro de Yolanda Castaño Economía e poesía. Rimas internas (Galaxia, 2024), Prémio Ramón Piñeiro de Ensaio 2023, que recomendo integramente. Um discurso revolucionário, decidido e audaz que analisa, desde uma óptica de classe, o funcionamento da literatura, nomeadamente da poesia, num mercado onde todo se compra e se vende, menos algumas cousas, uma sociedade que segue a ver a arte (a poesia) como qualidade de “inspiradas/os”, sem aceitar o feito artístico como trabalho que deve ser remunerado. E o nosso interesse está em que, apesar de comparações exemplificadoras, o caso seria comum a todas as artes, o que a autora tem reconhecido em atos públicos e no próprio livro. Yolanda salienta, por exemplo, o facto de ver normal que músicas/os ou pintores/as cobrem polas suas intervenções ou vendas, e não ver tão normal que uma poeta cobre polos seus recitados ou alocuções públicas onde foi chamada. No entanto, sabemos que o músico pode estar na mesma “tesitura”. Quantas vezes somos chamados/as a fazer música e poesia sem considerar as necessidades económicas, numa política de boas vontades?

Imagina agora que um cantautor publicasse um livro-disco com uma editora, e a partir daí negociassem com certa entidade bancária uma gira de concertos onde interviriam músicos e poetas. A entidade bancária pergunta polo caché, e o cantautor fala do que devem cobrar músicos e poetas. E aí intervém a editora para dizer que as poetas não, que já é normal que elas não cobrem. Esta anedota poderia ser inventada, mas Yolanda Castaño há de lembrar que foi verdade. Aí está a diferença que ela expunha como exemplo. Porém, os músicos temos outras experiências. Imagina agora que te chamam como músico para um ato cívico onde também estão poetas, políticos e persoeiros/as comprometidos/as da cultura. E aí o músico viu-se jogando o papel de comparsa: –Podedes ir tocando entretanto. Nada é plano, todo é poliédrico, mas nada é para sempre. Todo se transforma.

César Morán: Cantautor, compositor e escritor

Publicado no número 631 de Sermos Galiza, o suplemento semanal de Nós Diario, sábado 9-11-2024



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