A Música desde o Público

César Morán: Cantautor, compositor e escritor

DANÇAR OU NÃO DANÇAR

AVANTAR ACTIVIDADES

Vivemos tempos raros. Depois de polémicas e medidas restritivas voltaram os concertos nas festas da cidade. Já o verão passado assistíramos aos do auditório do parque de Santa Margarida, bem organizados, com todas as medidas de segurança: gel hidroalcólico, identificação documental, distância nas cadeiras, com persoal encarregado de distribuír a gente e de procurar que não se levantasse. De repente o estado de cousas variou e suspendeu-se toda actividade. Este ano também está a haver esses eventos, tão bem ou melhor organizados –reserva prévia online, vaziado do recinto depois de cada evento–, de jeito que, com estes protocolos, podemos afirmar que a cultura é segura. Se não nos desviássemos do fio principal, diríamos que este cuidado extremo se observa menos no culto nas igrejas ou no divertimento massivo em ruas e praças, sem máscaras nem distância, onde falarmos de cultura seria mais impreciso.

Confesso que para mim é uma delícia degustar um espectáculo desde o meu assento, e mesmo comprovar que toda a gente está estritamente ao mesmo, sem o partilhar com outros quefazeres. Porém, não todo o mundo pensa igual, pois amigas e amigos próximos comentam o incomodo de não poder dançar ou reagir de forma menos estática, o que eu entendo e aceito. Entendo que a música está ligada ao movimento do corpo e nalguns casos pode ser inseparável. E foi isto o que me levou a considerar as diferentes atitudes do público nos diversos tipos de música. É sabido que na chamada música clássica, por exemplo, existem uns cânones de comportamento, como aplaudir apenas ao final das obras e não trás as suas partes ou “movimentos”, intervalos estes onde alguém aproveita para tossir ou remexer-se no assento. São protocolos herdados do formalismo antigo e que na actualidade se mantêm, até o ponto de ser objeto de olhadas inquietantes quem por acaso não se ativer a estas convenções. No entanto no jazz clássico, e de modo particular nas jam sessions, o público pode agir com maior liberdade, sendo normal o aplauso depois de cada solo instrumental sem que a sequência musical se interrumpa. Claro que também aqui estas maneiras de reagir respondem a práticas convencionais, e por outro lado o mundo do jazz é hoje enormemente amplo e variado. Mentres escrevo estou a ouvir o quarteto francês da baterista Anne Paceo –com Tony Paeleman nos teclados, Christophe Panzani no saxo e Isabel Sörling na voz– no festival de jazz de Gasteiz, e a sua música envolvente convida a uma escuita sossegada, como ouvíamos o Atom Heart Mother ou The Dark Side of the Moon de Pink Floyd, sentados na “moqueta” de um pequeno quarto com pouca luz e fume de essências.

Mas estes tempos raros condicionam os espaços e as latências. Na música tradicional a muitas e muitos vai-se-lhes o corpo da cadeira para o baile acostumado, o que também acontece num concerto de rock, porque o “tradi” e o rock and roll têm em comum mais do que se pensa, como a ligação à dança e as formas repetitivas.


(Publicado no número 464 de Sermos Galiza, o suplemento dos sábados de Nós Diario, o 28-08-2021)


Outros artigos de César Morán :

Passar, verbo (in)transitivo. De Mirasol a Vinicius

FRANCO BATTIATO: popular e experimental, na busca do transcendente

Xela Arias. História de uma foto.

Cunqueiro e os Pentagramas

A presença da música ao vivo

Na taberna cultural da Arca da Noe

A Música em estado crítico

O Idioma da Música: A Língua do canto

A minha viagem com Dámaso Alonso