César Moran: “Dual Bettor”

O PASSADO QUE RETORNA. O UNIVERSO NUMA CUNCA

César Morán: Cantautor, compositor e escritor

AVANTAR ACTIVIDADES

Através do meu filho Brais, recuperei o velho toca-discos Bettor EF-53 Dual 1214 que tanta vida nos deu ao longo dos setenta. E digo “velho” desde a perspectiva de hoje, pois daquela era uma novidade extraordinária. Comprei-no no 74 na primeira tenda de electrodomésticos “San Luís”, na rua “San Luís” do bairro dos Malhos. Paguei-no dando aulas particulares de guitarra, e como também lhe interessava a um amigo e a algum outro, rebaixaram-nos o preço de dezaoito mil pesetas a onze mil e pouco por levarmos três aparelhos.

Aquela maravilha veu substituír o antigo “Pick Up” compacto, pequeno e ligeiro, que tinha o alto-falante na mesma tampa e que foi bom mentres o tivemos. Ao contrário, o Bettor Dual tinha caixas de som para o produzir em estéreo, e entre os botões do painel frontal havia um para o efeito quadrafónico. Alguns modelos eram à vez magnetófonos, mas este fora já lançado na era das pequenas (rádio)cassetes, e funcionava apenas como reprodutor de discos de vinil, com agulha e braço automático e com três posições: para singles a 45 rotações por minuto, para LPs a 33 r.p.m. e uma terceira a 78 r.p.m. para discos antigos de gramófono, o que nos permitiu escuitar o Himno de Riego no único disco conservado da pré-guerra, como tenho referido nalgures. Infelizmente, os novos pratos de hoje raramente dispõem desta função.

No início dos anos 80 viria a febre dos equipamentos de som hi-fi com diversos módulos (prato, fita, amplificador, equalizador), mas isso ainda estava por vir, de jeito que o novíssimo Dual entrou na casa como vento irradiador de amplas sonoridades. Desde o “despacho” onde estudávamos via-se a torre de Hércules, a baía de Riazor e boa parte da cidade, e a qualquer hora do dia ou da noite entrava e saía gente amiga que vinha para estudar. Longas horas de estudo e de conversa onde se fumava, se ria e se escuitava a música mais diversa. Polo Bettor Dual passou o rock sinfónico e os primeiros discos de jazz, as óperas Tommy e Quadrophenia dos Who, a ópera Hair e Jesus Christ Superstar, o Ney Matogrosso de Secos e molhados e o primeiro Caetano, os cantautores catalães, franceses e portugueses, os clássicos Vivaldi, Beethoven, Mendelssohn e Tchaikvosky quando vinha Guilhermo de Lugo, e nas vésperas de exames soubemos da “música concreta” porque alguém trouxera um disco de Pierre Henry que nos deixara chocados e “patidifusos” para o resto da noite.

Próximo da janela estava o póster gigante de Frank Zappa em atitude pouco decorosa, e todo Pink Floyd soava intensamente desde Ummagumma a Animals, ainda antes de The Wall. Era um mundo novo, um universo numa cunca de chá –ou de café– como diria Proust.

Uns anos mais tarde, quando eu já trabalhava em Ourense, o Dual fora utilizado polos meus irmãos como amplificador em que Alfonso ligava o contrabaixo elétrico para gravar.

Agora que o recuperei, haverá que levá-lo a um técnico que lhe meta mão. Já me tarda ouvir e ver como funciona.

(Publicado o sábado 12-08-2023 no número 566 de Sermos Galiza, suplemento semanal de Nós Diario)



Outros artigos de César Morán :

César Moran: “Per Sant Joan”

César Moran: “Música em Luísa Villalta”

César Morán: “Roger Waters”

César Morán: “Canet Rock 75”

César Morán: “Os esquecidos setenta”

Falar de Música

César Morán: “Pablo e Silvio, os dous “

César Morán: “O Bombardino de Charles Anne. O músico de Cunqueiro “

César Morán: “Compopstela, de Alfonso Espiño Louro “

César Morán: “Cantar nun concerto”

César Morán: “Parroquias tour” e saúde emocional

A opinión de César Morán: “A espera de Serrat”

A opinión de César Morán: “O mais parecido ao karaoke”

A opinión de César Morán: “Anacleto músico”

A Música da Fala

Tanxugueiras

Música ” Comercial “

Memória do Zeca

A Beleza

O clarinete de Aquilino

A Música desde o Público

Passar, verbo (in)transitivo. De Mirasol a Vinicius

FRANCO BATTIATO: popular e experimental, na busca do transcendente

Xela Arias. História de uma foto.

Cunqueiro e os Pentagramas

A presença da música ao vivo

Na taberna cultural da Arca da Noe

A Música em estado crítico

O Idioma da Música: A Língua do canto

A minha viagem com Dámaso Alonso